quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Comboio



O moço, que sentado no sopé do espelho ao lado esquerdo da porta com o pé assentado ao joelho, percebeu sua boca torta e as rugas lhe invadindo testa abaixo.
O rapaz nunca conheceu o pai a mãe ou a paz. Nascera velho por dentro, infanto apenas numa bruma mais densa que sonho escondinhado. Bastava-lhe agora tornar-se velho por fora, foi o que ele sempre almejou, mas prantou logo que descobriu que aquilo não seria tão logo. Que fazer para passar o tempo? Que fazer nesse meio tempo?
O homem resolveu resolver tudo, passo a passo, o primeiro era sobreviver aos adverços do tempo, do acaso e dos ventos. Isso ele faria sem ser muito certo nem tão pouco tão torto na vida. Depois de achar a solução insábia, ressabiou-se com a segundo passo, arrumar um companheiro. Mas quem em imperfeito juízo seria tão novo quanto ele e tão impaciente de ter que esperar sozinho?
De tanto pensar numa solução, ou em algum louco cidadão, já lhe saíram as primeiras rugas, meio acanhadinhas, vinham debaixo dos olhos e nas labochechas com se fossem as inocentes dobras de um sorriso, mas aquele senhor não se deixava enganar, sorrir era para os desocupados, ele tinha tão pouco a fazer e tanto tempo pra passar que o luxo da simpatia era o que não simpatizava.
E ao perceber as rugas, percebeu algo mais. Quem tão destro para a tarefa de envelhecer no desvairo da espera senão ele mesmo? Os passos estavam andados, agora era só deixar corpo ir, envelhecer. Puxou o banquinho encupinzado e sem recosta, recostou o pé no joelho e ali ficou.
No outro lado o velho sentado no sopé do espelho no lado direito da porta, implorava em pensamento que o menino reconsiderasse e remoçasse.

(Antonio Ganzer)

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