terça-feira, 10 de maio de 2011

Angústia

Título dedicado ao Graciliano Ramos*

Tudo começou com um único pedacinho, um ístmo de mim. Pedacinho que nem sabia qual era, mas sabia que me faltava. Sabia que já tive e perdi no meio da estrada, mas a estrada era sem volta e os caminhos incertos. E por onde andará aquele pedaço de mim?
Tentei olhar e olhar por cima dos ombros, para ver se achava qualquer coisa pequenininha, pequena mas que fosse minha, e aos poucos fui perdendo tudo o que eu era, tudo o que eu tinha. Agora já não tinha mãos para juntar os braços. Agora olhava por cima dos olhos na falta dos ombros. Já não sabia mais se procurava o que ou quem. As horas passavam e eu ficava ali deitado no meio do caminho, sem poder me recompor, sem poder poder, sem poder sentir, sem sentir dor.
Tudo começou com um pedacinho que agora já esqueci dos detalhes, mas lembro que foi o começo.
Os meus pedaços tinham sido jogados pelo trajeto migalha por migalha para eu poder voltar pra casa e esfarelado, tornei-me incapaz de procurar, impossível de ser achado.
Há tempos que não tenho tempo para nada porque há tempos o tempo não me pertence.
Esqueci por onde estaria meu caminho pelo Bojador* que antes, de dia, cortava o horizonte e agora com a chegada de tão doce lua, se escondeu nalgum lugar do outro lado do mundo, no fundo do mar.
Essa vontade que eu tenho de lembrar, que eu tenho de voltar, que eu tenho de chorar. Sim, de chorar, essa angústia que me afoga, essa letargia que me toma as forças.
Quanto mais vontade eu tenho de encontrar mais vontade tenho de chorar.
Estendo a mão para agarrar o brilho da minha vida que se comporta como um vaga-lume diante dos meus olhos, mas minhas mãos já não são minhas, então vejo a luz se afastar tendo sua essência engolida pelo breu, vejo tudo com olhos que não são meus.
Essa angústia de quem vive no porto e vê a vida indo num barco a vapor, com o seu amor acenando com um lenço. Angústia de quem está demasiado velho e vê no pôr do sol a incerteza de acordar para ver a próxima alvorada. Essa Angústia de quem se esqueceu. Essa Angústia me tornei. Essa Angústia agora sou eu!

Um comentário:

  1. Tenho passado por algumas. Nessas perdi um pedacinho do meu poeta, do meu artista e da minha pessoa. Faz dias, semanas, meses que não escrevo algo que me agrade. Essa eu fiz para tentar provar para mim mesmo que a repetição pode ser um elemento bom. Se ela fosse um desenho, me doí dizer, seria um esboço.
    Para a próxima eu prometo algo menos emo =P

    ResponderExcluir