domingo, 25 de outubro de 2009

Tristeza Prenha

Olhava dentro das águas caudalosas que passavam entre as pernas naquele dia quente, incomum de outono. O homem sabia que o que estava fazendo ia contra todas as crenças que ele aprendera de menino, mas não lhe importava, era deus quem orquestrara aquela obra.
E no compasso rítmico das mãos, jorrava na água, liquido da vida, aquele outro fluído tão sagrado que logo sumia desfiando na correnteza. Por sua vez, o destino guiava o leite paterno para as entrecoxas das mulheres que se banhavam logo abaixo na cachoeira. Curioso foi que aquele ato que outrora tão profano, imaculava-se pelo sopro do divino e emprenhara apenas as moças tristonhas, sem distinguir outros critérios, como suas raças e suas belezas. Ao todo foram nove infelizardas que deram a luz aos escurinhos pequeninos, teriam sido mais, se algumas não tivessem sido mortas por mancharem a honra das famílias perdendo sua inocência de forma tão inocente.
Os pequenos herdaram do pai a cor e das mães a tristeza, mais que isso, os nove que nove meses incubaram-se em liquido placentário e lágrimas, aparentemente sugaram as tristezas das madres. As moças que antes eram limões, no que foram embuxando foram também se adocicando. Largadas pelos maridos por terem filhos doutra cor, mal vistas pelas moças que também se banharam no rio, mas que não se emprenharam por serem essas, menos melancólicas, as moças seguiram depois do parto, magras, pobres, abandonadas, mas felizes. Os filhos que agora pesavam no pesar de viver, todos sempre lacrimosos. Não importava se fazia sol, nos olhos dos marotos, a chuva era eterna, chegavam a desidratar de tanta tristeza que lhas escorria pelos olhos, com exceção de um. Foi o caso de que Anselma Freitas dera a luz a um e as trevas ao outro. Nasceram gêmeos, isso nem deus poderia adivinhar, mas era até caso de suspeita, já que, enquanto as barrigas todas eram melões, a dela já era melancia premiada de tamanho, mas ninguém se importava, porque as frutas eram todas quase que de pura água.
Do pai nunca lá se soube nada, e a as ex-prenhas se confortavam no ombro de saber que não eram as únicas a terem “filhos do divino”.
Os mocinhos cresceram juntos, jogando bola, empinando pipa e sempre chorando juntos. É que lhes parecia que a tristeza era maior quando conjuntada. Só Miguelzito coitado, era sozinho. Sozinho, mas o único feliz, “o que nascera depois de todo o pranto” como costumava dizer Anselma, mas dizia para que só ele escutasse, não queria ver o irmão de Miguel mais triste que de nascença.
Foi o caso que em um descuido, o irmão de Miguel acabou escutando a quase benção da mãe ao filho que lhe era tão predileto, não só dela. Todas as mães gostavam mais de Miguelito que os outros pequenos que molhavam o colchão de lágrimas.
Aprontou-se então a reunião dos aprantados. O líder do sindicato era o irmão magoado de Miguelzito, e o assunto era justamente ele. O que fazer para parar de chorumelar?
Não era receita certeira, mas acreditaram os novitos que se dessem cabo do feliz, largariam eles do seu momento tão infeliz.
Finalmente chamaram Miguel para brincar em uma tarde em que as mães estavam era remexendo na horta, e não lavando roupas no rio, o que era importante para que ninguém fosse acudir o afogado. Miguel, não sabia brincar de nada em conjunto, por isso se empolgou com a idéia de uma brincadeira nova, e nem se importara com as regras do tal jogo de afogado.
O irmão de Miguel então levou o pequenino no meio do rio em que ganharam vida enquanto os outros meninos olhavam tudo das margens, choravam antes da morte do miúdo, choravam como sempre e mais do que nunca.
O irmão matou o pobrezito Miguel com os olhos imersos em água das lágrimas, Miguel morrera com os olhos e o corpo todo imerso em água do rio de desde quando nasceram atendia pelo nome de Rio das Lágrimas.
Livres das suas tristezas, agora quem chorava de novo eram as mães, que perderam a única alegria alegre de suas vidas.
Os meninos todos agora podiam sorrir finalmente, mas o irmão de Miguel nunca chegou a sorrir, nem mais chorar, agora seu pranto era por dentro, mas fundo na alma. Seu pranto d’alma não era culpa, ele chorava, era de saudade de Miguel.

3 comentários:

  1. Muito bom Almeidinha, muito bom!
    Bem trágico o final, mas não poderia ter sido melhor.
    hasta luego chico!

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  2. GANZER! Saudade de ti querido!
    Que texto incrível, esse, hein?
    AMEI! Muito bom!

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